Sergio Castiglione
Uma Alma de Bruxo
Textos

 

Oculto no jardim da casa, ele já estava por um bom tempo curtindo a paz que entrava por todos os sentidos, assumindo a claustrofobia urbana enquanto se sentia rodeado por um quase nada, repleto de verde e azul, de pios e de pequenos turbilhões, de cheiros de jasmim e da culinária dos vizinhos, tarde de café e bolo.

 

A chuva fina começou de repente, sem aviso, sem ser convidada, e com cara de quem não queria ficar muito tempo por ali, trazendo do baú os ditados de chuva e vento, chuva e sol..

 

Empurrado assim para dentro de casa, as cortinas de organza seriam o anteparo suficiente para o inesperado.

 

Mas junto com a chuva veio o vento, e o verde e azul que sumira com a cortina, retornou com a janela de vidro.

 

E foram-se com o vento, os aromas.

 

E vieram assustadores raios e trovões para substituir os pios e turbilhões,

inquietantes e assustadores,

obrigando a fechar as janelas de madeira.

 

E foi-se a claridade.

 

 

Agora, trancado entre quatro paredes, sentia-se seguro enquanto mantinha os olhos fechados, sem cores, sem sons, sem aromas, sem os arrepios do tempo, em sua caixa de concreto.

 

 

 

E então, na clausura inesperada, surge algoz e abstrato, o pensamento.

Envolto em uma névoa quente e úmida.

 

 

 

O pai tinha um fusca, o carro com maior capacidade de bagagem que já se construiu.

Seu lugar cativo era o buraco atrás do banco traseiro.

 

A mãe preparava sanduíche de pão de forma com patê para as intempéries do caminho,

mas havia sempre uma parada no Belvedere para o deleite gastronômico do pai.

 

A viagem era longa, feita em dois carros,

sendo que o de seu tio impunha uma espera no meio da serra,

porque fervia quando os caminhões não permitiam ultrapassagens na pista de mão dupla.

 

O tempo passava de forma lenta e instigante, enquanto a estrada antiga e sinuosa era percorrida com cuidado e fantasia.

 

Numa das curvas, fechada e rodeada por uma mata densa, existia uma bica, uma fonte onde diziam ser a morada de duendes.

 

Lembrava de ter parado ali diversas vezes para beber água límpida e fresca, e jamais os vira.

Mas, quando o carro partia, em hipótese alguma ele olhava para trás.

 

Última parada na cidadezinha de Passa Três, na padaria onde parava também o ônibus da EVAL, o Rio-Angra que foi aos poucos desativado com o surgimento da Rio-Santos.

 

 

Houve uma viagem em que, chegando à Fazenda pela Estrada do 107, com os carros patinando por conta de um grande temporal, um raio caiu a poucos metros de onde o carro atolara, no para-raios da Igrejinha logo à sua esquerda.

 

Não foram os raios sucessivos que destruíram a bela construção centenária

.

Essa natureza, aos homens pertence.

 

 

As horas passaram,

voando com o pensamento,

o sono,

os sonhos,

as lembranças,

que se interromperam bruscamente como se um capítulo narrado fosse dar lugar a outro, em outra página, em outras águas.

 

Já se fora o dia, e o temporal.

 

 

A chuva não viera para ficar, mas para refrescar seus guardados.

 

 

A lua lhe pede outros contos, outras prosas.

Mas não por ora.

Lá fora tudo é tão bonito.

 

E ora, direis,

 

 

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Sergio Castiglione
Enviado por Sergio Castiglione em 08/08/2024
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